A partir de 2024, a nova Lei de Licitações – nº 14.133, de 2021, passa a regulamentar as compras e contratações públicas com exclusividade. Com isso, após quase três anos coexistindo com o dispositivo legal antigo (nº 8.666 de 1993), e possibilitando a realização de licitações com base em ambos os dispositivos legais, a revogação da norma antiga foi realizada em 30 de dezembro de 2023. 

Mas, afinal, o que muda na prática? Frente a uma conjuntura social bastante diferente da vista há mais de 30 anos, a nova norma preconiza a realização de processos licitatórios digitais, excluiu e incluiu modalidades, introduziu novas hipóteses de inexigibilidade de licitação, entre outras mudanças.  

Neste artigo, destrincharemos algumas das inovações da Lei nº 14.133, a fim de auxiliar você, gestor público, a compreender melhor como as contratações deverão ser feitas daqui em diante. Vamos lá? 

Conheça as principais mudanças da nova Lei de Licitações (nº 14.133, 2021) 

Com o objetivo de sumarizar as principais diretrizes da nova norma, o Ministério Público da União – MPU listou algumas das mudanças mais amplas a vigorar junto da nova lei. Confira-as a seguir: 

1. Contratações eletrônicas devem ser regra 

Nos processos regidos pela nova lei, as contratações devem ocorrer, preferencialmente, por meios digitais. O objetivo é que, além de mais transparentes e ágeis, os processos licitatórios também fiquem mais eficientes, sobretudo do ponto de vista econômico. 

Com isso, as licitações presenciais se tornam exceção, devendo ser devidamente justificadas, bem como ter suas sessões registradas em ata, além de gravadas em áudio e vídeo.  

2. Maior preocupação com a sustentabilidade e outros pilares do ESG 

Em comparação com a lei anterior, a nova lei de licitações é mais responsável, seja do ponto de vista ambiental, social ou de governança corporativa (os três pilares do ESG). Em seu Art. 144, a lei prevê, por exemplo, que em contratos públicos de obras, fornecimentos e serviços, a Administração Pública poderá, entre outros critérios, considerar a sustentabilidade ambiental como um fator para a remuneração variável da contratada.  

Da mesma forma, passa a ser expressamente autorizado, pela nova lei, que uma contratação pública exija um percentual mínimo de contratação pessoas vítimas de violência doméstica ou, ainda, egressos do sistema prisional, para a contratada no processo licitatório. 

3. Modalidades de licitação: saem Carta-Convite e Tomada de Preços, entra o Diálogo Competitivo 

Sem sombra de dúvidas, uma das maiores inovações da nova Lei de Licitações foi a extinção das modalidades Carta-Convite e Tomada de Preços, bem como a introdução de uma nova modalidade, o Diálogo Competitivo. Nesta nova modalidade, destinada a contratação de obras, serviços e compras, a Administração Pública não é capaz de delimitar, sozinha, o objeto a ser contratado, buscando auxílio do setor privado para tal. 

Imagine, por exemplo, que, em vez de definir especificações ou requisitos para contratação, o poder público apresenta um problema ainda sem solução – nem mesmo no setor privado. Aqui, um exemplo interessante é o da emissora estatal britânica BBC. Em 2007, a empresa abriu um processo de contratação pública via Diálogo Competitivo, no qual convidava o setor privado a propor um esquema de transição da TV analógica para a digital em toda a Grã-Bretanha. 

Em razão da complexidade e singularidade da demanda, a emissora precisaria realizar múltiplas contratações em diferentes regiões do país, já que a transição ocorreria de forma gradativa. Ao analisar o custo e a dificuldade do projeto, optou-se pela contratação via Diálogo Competitivo, um mecanismo recém-incorporado às leis de contratações públicas da União Europeia, à época. 

No Brasil, uma importante distinção dessa modalidade é que, na prática, a contratação ocorre em múltiplas fases. Na primeira, a Administração Pública lança um edital de pré-seleção, detalhando sua necessidade, bem como os critérios que as empresas participantes precisarão atender caso queiram participar dos diálogos. 

Por conseguinte, na fase de diálogo, o órgão convoca os inscritos para reuniões nas quais vai detalhar o problema ou necessidade. Com isso, o Poder Público pode ter acesso a tecnologias e informações ainda indisponíveis no mercado – e que, eventualmente, o ajudem a entender melhor como uma solução pode ser desenvolvida ou adaptada.  

Uma vez que a solução tenha sido desenhada, lança-se outro edital, dessa vez contendo a delimitação do objeto licitado, bem como todas as suas especificações e requisitos. A partir de então, as empresas participantes da fase de diálogo poderão finalmente ofertar seus serviços. 

Também conforme definido na lei, as propostas serão julgadas por uma comissão formada por, no mínimo, três servidores ou empregados públicos do quadro definitivo da Administração Pública, e que pode ser assessorada por um profissional especialista na área do objeto licitado. A lei também destaca, vide seu Art. 33, que a melhor proposta deverá ser escolhida com base nos critérios: 

  • Menor preço; 
  • Maior desconto; 
  • Melhor técnica ou conteúdo artístico; 
  • Técnica e preço; 
  • Maior lance; 
  • Maior retorno econômico. 

 4. Novidades para a dispensa de licitação 

Na Lei nº 14.133/2021, as hipóteses de dispensa de licitação também foram ampliadas e reorganizadas. Nos casos de dispensa por baixo valor em obras, serviços de engenharia ou serviços de manutenção de veículos automotores, o teto para dispensar o procedimento licitatório é de R$ 119.812,02. Já para as pequenas compras e outros serviços, é aceitável o valor de até R$ 59.906,02, vide Decreto 11.871, de 2023. 

Assim como já ocorria na legislação anterior, a nova lei também manteve a dispensa nos casos de emergência ou calamidade pública. Contudo, com o advento da nova norma, as obras ou serviços contratados devem ser concluídos em até um ano. Além disso, uma vez realizada a dispensa de licitação por emergência em uma contratação, fica proibido contratar a mesma empresa novamente com o mesmo benefício. 

5. Novos casos de inexigibilidade 

Diferentemente da dispensa de licitação, a inexigibilidade se dá quando não é possível realizar o processo licitatório. Na lei 8.666/93, a licitação era inexigível nos casos de: fornecedor exclusivo; serviços técnicos realizados por profissionais especializados, de natureza singular, ou empresas de notória especialização (com exceção dos serviços de publicidade e divulgação), bem como na contratação de artistas consagrados.

Na nova lei, além dessas hipóteses, a inexigibilidade também passa a alcançar a aquisição de imóvel cujas características de instalações ou localização tornem necessária a sua escolha. Da mesma forma, também é inexigível licitar nas contratações por credenciamento, isto é, quando o setor público credencia múltiplos prestadores de serviço, desde que cumpram os requisitos previstos no edital, a fim de que esses atendam a população. 

Nesses casos, como não há competição entre os licitantes – todos são credenciados igualmente e passam a fornecer serviços ou produtos em cooperação com a administração pública, não há necessidade de realizar o processo licitatório. 

6. Modos de disputa aberta e fechada 

Outra novidade formalmente incorporada pela nova Lei de Licitações são os Modos de Disputa, que pode ser aberta ou fechada. No modo de disputa aberta, os licitantes apresentam suas propostas a partir de lances públicos e sucessivos, podendo esses ser crescentes ou decrescentes. Já nas disputas fechadas, as propostas permanecem em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação. 

Na prática, os modos de disputa aberto e fechado já existiam dentro dos pregões, permitindo ou não que os licitantes visualizassem os lances de seus concorrentes. A novidade, contudo, é que a nova lei incorpora essa especificidade em seu texto. 

Adicionalmente, vale ressaltar também que é possível ter uma disputa combinada, na qual determinados lotes, por exemplo, podem ter uma disputa fechada, ao passo em que o restante da licitação se dá por disputa aberta. 

7. Novo critério para a escolha das modalidades de licitação  

Até o advento da Lei 14.133/21, a modalidade de licitação a ser adotada era definida com base no valor estimado da contratação. Contudo, na vigência da nova lei, o critério a ser utilizado para essa definição passa a ser a natureza do objeto contratado. A seguir, confira uma lista com as descrições de cada modalidade e a que tipo de contratação se destinam: 

  • Pregão: aquisição de bens e serviços comuns; 
  • Concorrência: contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços de engenharia; 
  • Concurso: escolha de trabalho técnico, científico ou artístico; 
  • Leilão: alienação de bens imóveis ou de bens móveis inservíveis ou legalmente apreendidos; 
  • Diálogo Competitivo: contratação de obras, serviços e compras em que a Administração realiza diálogos com licitantes previamente selecionados, restrita a objetos que envolvam inovação tecnológica, impossibilidade de a Administração ter sua necessidade satisfeita sem adaptação de soluções disponíveis no mercado e inviabilidade de especificações técnicas serem definidas com precisão. 

 8. Alteração nas fases do processo de licitação 

Por fim, mas não menos importante, uma das principais mudanças trazidas pela nova Lei de Licitações foi a alteração na sequência dos procedimentos que compõem o processo licitatório. A partir de agora, a apresentação das propostas e lances, bem como o respectivo julgamento das propostas vencedoras, ocorrem antes da habilitação dos licitantes. 

A mudança visa promover mais agilidade e economicidade ao processo, visto que dispensa os órgãos públicos da análise dos documentos de todos os licitantes.