Como sabemos, em 1º de abril de 2021, foi promulgada a Lei nº 14.133, que estabelece as novas regras gerais sobre Licitações e Contratos Administrativos. A nova norma, portanto, foi criada em substituição à Lei nº 8.666/1993, além de revogar Lei nº 10.520/2002, também conhecida como Lei do Pregão, e Lei nº 12.462/2011, que criou o Regime Diferenciado de Contratações Públicas. Antes, porém, de passarmos ao Sistema de Registro de Preços (SRP), importante lembrar que a Nova Lei de Licitações (NLL) definiu período de transição de 2 (dois) anos, durante o qual compete ao gestor público definir o regime legal a ser utilizado em cada certame específico. Convém informar que uma vez definido o marco legal, este deve ser mantido durante toda execução contratual.  Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso. Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, se a Administração optar por licitar de acordo com as leis citadas no inciso II do caput do art. 193 desta Lei,  o contrato respectivo será regido pelas regras nelas previstas durante toda a sua vigência. Pois bem. Sobre o SRP chama atenção a substancial mudança promovida pela NLL, quando comparada com a Lei nº 8.666/93, que basicamente criou o mecanismo, não lhe conferindo, contudo, regras de utilização ou aspectos procedimentais. Já a Lei nº 14.133, cuja influência do Decreto nº 7.892/2013 é inquestionável, estabeleceu um conjunto de regras, que devem ser aplicadas por todos os Órgãos da Administração Pública a ela vinculados. No nosso entender, isso traz mais segurança aos agentes públicos, bem como às empresas licitantes, uma vez que a base normativa passa a ser mais uniforme.  Não podemos esquecer que, apesar da NLL ter criado um conjunto de regras para o SRP, este ainda encontra-se sujeito à regulamentação de alguns de seus dispositivos, o que deve acontecer até o final do período de transição mencionado anteriormente. Com isso em mente, vamos ao que importa, que são as características gerais desse importante instrumento.  De início, vale lembrar que o SRP é um dos procedimentos auxiliares contidos na NLL, motivo pelo qual não pode ser confundido com uma das modalidades de licitação. São procedimentos auxiliares das licitações e das contratações regidas por esta: I - credenciamento; II - pré-qualificação; III - procedimento de manifestação de interesse; IV - sistema de registro de preços; e V - registro cadastral. São modalidades de licitação: I - pregão; II - concorrência; III - concurso; IV - leilão; V - diálogo competitivo. § 1º Além das modalidades referidas no caput deste artigo, a Administração pode servir-se dos procedimentos auxiliares previstos no art. 78 desta Lei. Trata-se, na verdade, de mecanismo à disposição da Administração Pública, a ser adotado como forma a possibilitar melhores resultados na execução do objeto licitado, à luz dos princípios da eficiência e eficácia, visto que a utilização do SRP permite, após a homologação do certame, à Administração formalizar vínculo obrigacional com o particular, por meio de ata de registro de preços (ARP), vínculo esse que se difere do contratual. Desse modo, o vínculo estabelecido a partir da ARP garante à Administração o fornecimento de bens ou serviços, na oportunidade que lhe for mais conveniente, ao mesmo tempo que a exime da obrigação de adquiri-los, conforme prescreve o art. 83 da NLL, a saber: A existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada.  Essa prerrogativa da Administração, contudo, não permite que a definição dos quantitativos ocorra sem critérios e parâmetros objetivos. Destaca-se o planejamento das contratações como uma das principais características da NLL, incorporado, inclusive, ao rol de princípios de seu art. 5º.  Ainda nesse contexto, a Lei nº 14.133/21 prevê que a fase preparatória do processo licitatório tenha como marco inicial a elaboração do estudo técnico preliminar, composto de diversos elementos, dentre os quais destacamos: § 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: (...) IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; Por conta disso, deve o agente público instruir o processo com estudos e informações precisas, que demonstrem o quantitativo necessário a atender a demanda da Instituição, mesmo quando a opção for pela utilização do SRP. Por outro lado, o Legislador previu situações excepcionais, nas quais admite-se a ausência dessas informações, como se observa a seguir: § 3º É permitido registro de preços com indicação limitada a unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido, apenas nas seguintes situações: I - quando for a primeira licitação para o objeto e o órgão ou entidade não tiver registro de demandas anteriores; II - no caso de alimento perecível; III - no caso em que o serviço estiver integrado ao fornecimento de bens. § 4º Nas situações referidas no § 3º deste artigo, é obrigatória a indicação do valor máximo da despesa e é vedada a participação de outro órgão ou entidade na ata.  Nesse ponto, necessário ressaltar que os requisitos de habilitação são definidos com base no objeto licitado, em especial a qualificação técnica e econômico-financeira.  A título de ilustração, se o quantitativo máximo a ser adquirido for estabelecido em montante superior à efetiva demanda da Administração, ante a ausência de estudos apropriados, é factível assumir que as exigências de habilitação reflitam essa irregularidade, criando assim critérios que fragilizem a competitividade e a isonomia da disputa. De igual relevância éa preocupação do legislador com os preços que serão praticados, que vai desde a efetiva pesquisa de mercado, até a atualização dos valores durante a vigência da respectiva ata de registro de preços (ARP). § 5º O sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, observadas as seguintes condições: I - realização prévia de ampla pesquisa de mercado; (...) IV - atualização periódica dos preços registrados; Atualmente, no entanto, prospera o entendimento que não cabe a promoção do reequilíbrio econômico-financeiro da ARP, por não se tratar de instrumento contratual.  Nesse sentido, é o Parecer nº 001/2016/CPLCA/CGU/AGU, de autoria da Câmara Permanente de Licitações e Contratos da Controladoria-Geral da União: I – Administrativo. Licitação. Ata de Registro de preços. Reajustabilidade. Incidência dos institutos de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro. Impossibilidade.  (...)  V – Não cabe reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico (revisão econômica) em relação à Ata de registro de preços, uma vez que esses institutos estão relacionados à contratação (contrato administrativo em sentido amplo).  VI – O fato gerador da manutenção do equilíbrio econômico (reajuste, repactuação ou reequilíbrio econômico) deve ser reconhecido no âmbito da relação contratual firmada, pela autoridade competente, sem necessária interferência na Ata de registro de preços.  No mesmo sentido do parecer Parecer citado acima, é o Parecer nº 211/2020/CONJUR-CGU/AGU: Não é possível juridicamente a revisão econômica para aumentar os valores registrados na Ata de Registro de Preços nº 17/2020, por não ser aplicável à espécie o instituto do reequilíbrio econômico-financeiro, bem como por não haver autorização nesse sentido no art. 19 do Decreto nº 7.892/2013.  Ainda sobre o objeto da licitação, a NLL incorporou a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), notadamente a Súmula nº 247, ao determinar que a adjudicação deve ser feita, prioritariamente, por itens e não por lote ou grupo. Vejamos o que diz a referida Súmula.

É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade.

Contudo, caso a Administração tenha se valido da adjudicação por grupo, a NLL admite a contratação de um item específico, desde que precedida de “(...) prévia pesquisa de mercado e demonstração de sua vantagem para o órgão ou entidade”, à luz do disposto no § 2º do art. 82. Aqui vale mencionar a jurisprudência do TCU: Nas licitações para registro de preços, a modelagem de aquisição por preço global de grupo de itens é medida excepcional que precisa ser devidamente justificada, a ser utilizada apenas nos casos em que a Administração pretende contratar a totalidade dos itens do grupo, respeitadas as proporções de quantitativos definidos no certame. Apesar de essa modelagem ser, em regra, incompatível com a aquisição futura de itens isoladamente, admite-se tal hipótese quando o preço unitário ofertado pelo vencedor do grupo for o menor lance válido na disputa relativa ao item. Acórdão nº 1650/2020 – Plenário. As obras e serviços de engenharia também foram contemplados pelo SRP, mas não para todos os objetos. De acordo com o art. 85, a adoção desse mecanismo se restringe apenas aos objetos padronizados e desprovidos de complexidade técnica e operacional, e cuja necessidade da Administração seja recorrente. Um bom exemplo são os casos de manutenção predial. Por fim, neste primeiro artigo, não poderíamos deixar de ressaltar importante inovação da NLL, que possibilita a utilização do Sistema de Registro de Preços para os casos de contratação direta, tanto para dispensa quanto para inexigibilidade de licitação. Essa medida, entretanto, depende de regulamentação, nos termos do § 6º do art. 82. No próximo artigo abordaremos os demais aspectos do SRP, com especial enfoque nas regras de disputa, no papel dos Órgãos Gerenciador e Participantes e, é claro, na adesão à Ata de Registro de Preços.

Raphael Anunciação

Professor da Escola Superior da Advocacia (ESA) da OAB/DF - desde 2013, advogado graduado pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Especialista em Licitações e Contratos Públicos, também é membro do Grupo de Trabalho da OAB destinado à análise do tema da modernização da Lei de Licitações e Contratos.