Quando se fala de gestão e fiscalização dos contratos administrativos, logo vem na cabeça a figura do representante do órgão contratante (fiscal). Isso se deve, essencialmente, à obrigação legal imposta aos entes da Administração, como podemos observar na Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021):

O edital deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento.

A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por 1 (um) ou mais fiscais do contrato, representantes da Administração especialmente designados conforme requisitos estabelecidos no art. 7º desta Lei, ou pelos respectivos substitutos, permitida a contratação de terceiros para assisti-los e subsidiá-los com informações pertinentes a essa atribuição.

Apesar de não haver previsão legal no mesmo sentido em relação às empresas licitantes, ou seja, de promover a gestão contratual, entendemos que tal medida não é apenas salutar, mas indispensável ao sucesso da contratada no cumprimento de suas obrigações. Nessa linha, vamos apresentar alguns elementos que podem auxiliar no desempenho dessas atividades.

Antes, porém, não custa lembrar que os contratos administrativos decorrem da utilização direta de recursos públicos, cujo uso implica em diversas responsabilidades para o agente público responsável por sua alocação, como também para a empresa que se beneficiar desses valores.

É o que diz a Lei nº 8.443/1992 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas da União), sobre as consequências do mau uso de verbas públicas:

(...)

III - irregulares, quando comprovada qualquer das seguintes ocorrências:

  1. a) omissão no dever de prestar contas;
  2. b) prática de ato de gestão ilegal, ilegítimo, antieconômico, ou infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial;
  3. c) dano ao Erário decorrente de ato de gestão ilegítimo ao antieconômico;
  4. d) desfalque ou desvio de dinheiros, bens ou valores públicos.

(...)

  • 2° Nas hipóteses do inciso III, alíneas c e d deste artigo, o Tribunal, ao julgar irregulares as contas, fixará a responsabilidade solidária:
  1. a) do agente público que praticou o ato irregular, e

b) do terceiro que, como contratante ou parte interessada na prática do mesmo ato, de qualquer modo haja concorrido para o cometimento do dano apurado.

E sua jurisprudência caminha do mesmo sentido:

O fato de a empresa não participar da elaboração do edital e do orçamento base da licitação não a isenta de responsabilidade solidária pelo dano (art. 16, § 2º, da Lei 8.443/1992) na hipótese de recebimento de pagamentos por serviços superfaturados, pois à licitante cabe ofertar preços compatíveis com os praticados pelo mercado (art. 43, inciso IV, da Lei 8.666/1993), independentemente de eventual erro cometido pela Administração quando da elaboração do edital e do orçamento. 

 

Acórdão nº 1.304/2017 – Plenário do TCU.

Mais do que adotar medidas para evitar sua eventual responsabilização, a contratada deve ter como meta principal a execução satisfatória do contrato. E para alcançar esse objetivo, sugerimos algumas ações perfeitamente possíveis de implementação:

1) Conhecimento da legislação aplicável: é inegável que muitas empresas licitantes não dedicam o tempo necessário ao estudo das regras que definem o processo licitatório. E não se trata apenas da Lei Geral de Licitações e Contratos, mas sim do conjunto de normas que estão diretamente ligadas àquele contrato específico.

A depender do objeto e do órgão licitante, a contratada estará sujeita à regulamentação própria, como instruções normativas ou decretos. Podemos destacar, igualmente, legislação local que fixa regras ambientais.

O ponto de partida para qualquer licitante é saber a quais regras está submetido, sob pena de arcar com consequências que desconhecia e cujo impacto pode se revelar decisivo, inclusive, na continuidade de seus negócios.

2) Correta análise do instrumento convocatório: a efetiva análise do edital de licitação e seus anexos (termo de referência, minuta do contrato e/ou da ata de registro de preços) implica na leitura integral desses documentos, pois essa é a única maneira de se compreender as características e condições efetivas do certame, e das responsabilidades que serão assumidas na fase de execução contratual.

Essa análise, no entanto, possui característica multidisciplinar, haja vista que, além dos aspectos técnicos ligados à execução do objeto, a empresa deve se atentar aos critérios legais que possuem igual relevância.

Desse modo, sempre que possível, esse trabalho deve ser realizado por profissionais distintos, cada um dotado de conhecimento técnico específico. Por óbvio, a realidade das licitantes é bastante diversa. Enquanto algumas possuem quadros com todas as competências necessárias, a maior parte concentra todo o trabalho numa equipe reduzida, quando não em uma única pessoa. Nesses casos, recomenda-se a contratação de apoio externo especializado, como forma de obter o respaldo necessário para a tomada de decisões.

3) Acervo documental: o repositório de documentos visa garantir que a empresa mantenha o histórico completo de todos os atos relacionados a um determinado processo licitatório, que deve incluir desde o edital de licitação, pedidos de esclarecimentos e suas respectivas respostas, até o contrato propriamente dito e os atos a ele relacionados, como os termos de recebimento provisório e definitivo, para citarmos alguns.

É muito comum, principalmente durante a execução do contrato, que a contratada se comunique com o contratante por meio de pessoas distintas, o que reforça ainda mais a necessidade de acervo único e comum, para fins de evitar a perda de documentos relevantes ao longo do tempo.

Devemos nos lembrar que os contratos administrativos não estão sujeitos apenas à verificação do órgão contratante. De igual modo, esses contratos estão sujeitos ao controle externo, com os Tribunais de Contas.

Assim, caso a empresa seja intimada a apresentar justificativas ou a prestar contas perante um órgão de Controle Externo, mesmo alguns anos depois de encerrada a vigência do contrato (o que é bastante comum, diga-se de passagem), a íntegra dos documentos e atos realizados no bojo do contrato será indispensável para sua manifestação.

No próximo artigo, abordaremos os demais aspectos da gestão contratual. Por isso, não deixem de nos acompanhar!

Raphael Anunciação

Professor da Escola Superior da Advocacia (ESA) da OAB/DF - desde 2013, advogado graduado pela Universidade de Brasília (UnB) e mestre em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Especialista em Licitações e Contratos Públicos, também é membro do Grupo de Trabalho da OAB destinado à análise do tema da modernização da Lei de Licitações e Contratos.

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